
Das
paixões mais cariocas, a roda de samba do laialaiá se encontrou com a
praia dos vendedores de mate e surfistas. O baile funk se misturou à
manifestação política, o galão de mate se transformou em tambor, o
esporte se confundiu com a arte. Tudo dentro do santuário máximo da
paixão, um Maracanã lotado, iluminando aquilo que o mundo mais ama no
Rio de Janeiro, alguns até idolatram: as pessoas, cariocas ou não,
deficientes ou não, atletas ou não, gente capaz de aplaudir um pôr do
sol e sorrir afetivamente para a cena de uma dança entre uma mulher e um
robô industrial.
“Seja
Brasil” foi uma das mensagens mostradas no telão durante a abertura dos
Jogos Paralímpicos do Rio, realizada na noite desta quarta-feira. Assim
como ocorreu na abertura da Olimpíada, a cerimônia paralímpica compensou
limites orçamentários com criatividade, bonitas projeções de vídeo no
centro do estádio e a animação de dezenas de dançarinos e artistas. Já
uma diferença em relação ao Jogos Olímpicos foi o foco temático, com uma
preocupação menor em enaltecer as belezas, a história e a cultura
brasileiras, e maior em iluminar seus indivíduos. Ficou claro que, num
evento essencialmente inclusivo, os diretores artísticos Marcelo Rubens
Paiva, Vik Muniz e Fred Gelli quiseram que cada carioca e visitante se
sentisse parte da Paralimpíada.

A festa
começou às 18h15m e seguiu até as 22h. Depois de um vídeo que mostrou o
cadeirante inglês Philip Craven, presidente do Comitê Paralímpico
Internacional, percorrendo cidades brasileiras, panos caíram por cima da
arquibancada do estádio, revelando os números de uma contagem
regressiva. Ao chegar ao zero, o atleta americano Aaron Fotheringham
desceu sobre cadeira de rodas por uma enorme rampa armada no Maracanã.
Na
sequência, uma roda de samba, com nomes como Monarco, Maria Rita, Diogo
Nogueira, Hamilton de Holanda e Xande de Pilares, convidou o público a
cantar, de um simples laialaiá a “A voz do morro”, clássico de Zé Keti.
Enquanto isso, dançarinos, alguns em cadeiras, entraram carregando
grandes rodas para se juntar aos sambistas. Dali, a praia carioca tomou o
Maracanã com a areia e o mar surgindo através de projeções em vídeo,
permitindo a reunião de dezenas de artistas para jogos de frescobol,
brincadeiras de altinho, a venda de mate e de biscoito Globo e até um
aplauso empolgado ao pôr do sol.
Do baile
informal, a solenidade teve continuidade com o maestro João Carlos
Martins tocando o hino brasileiro ao piano, enquanto uma bandeira do
Brasil foi formada por dançarinos com adereços verdes, amarelos e azuis.
Começou, então, o desfile das delegações — a brasileira foi a última,
embalada pela canção política “O homem falou”, de Gonzaguinha, e
precedida pela modelo Fernanda Lima e pela porta-bandeira Shirlene
Coelho. Junto a cada grupo de atletas foi trazida uma peça de
quebra-cabeças, montado aos poucos para revelar uma obra de Vik Muniz:
um grande coração que se uniu às projeções em vídeo para irrigar o
estádio.
Mais
tarde, o Maracanã ficou às escuras, e a cerimônia teve um de seus
grandes momentos com dançarinos vestidos de preto evoluindo com bengalas
iluminadas. Os esportes foram recordados com grandes pictogramas e pela
projeção de quadras, campos e pistas no solo. Também lindíssima foi a
dança da americana Amy Purdy, atleta biamputada que utilizou próteses,
ao lado de um robô industrial. A dupla mulher-máquina foi justamente
aplaudidíssima. Por outro lado, o presidente Michel Temer esteve no
estádio e foi bastante vaiado ao seguir a tradição de oficializar ao
microfone a abertura os jogos.
Sem ter
nada com isso, o nadador Clodoaldo Silva teve a missão de acender, sob
chuva, a pira paralímpica, seguido por uma apresentação de Seu Jorge.
Vestido de branco como bom malandro, o cantou puxou “E vamos à luta”, de
Gonzaguinha, e “É preciso saber viver”, de Roberto e Erasmo Carlos.
As letras
das duas músicas se espalharam por um público, no estádio ou na TV,
ainda estimulado pelo sucesso da Olimpíada do Rio e ansioso pela
Paralimpíada. Ficou evidente que todos acreditam na rapaziada que sabe
viver.